Após trabalho lado a lado em Saquarema, técnicos de Botafogo e seleção brasileira feminina de vôlei trocam experiências e revelam admiração mútua.
Fonte: Gustavo Rotstein Saquarema, RJ
“Botafogo, Botafogo campeão...”, cantou José Roberto Guimarães ao receber de Estevam Soares uma camisa do Alvinegro. Mas nem precisava disso, para ficar claro que o técnico duas vezes campeão olímpico e a seleção brasileira feminina de vôlei agora também torcem pelo clube. Depois de quatro dias de convivência no centro de treinamento de Saquarema, a proximidade entre as duas delegações transformou-se numa rica troca de experiências e de amizades.
A convite do GLOBOESPORTE.COM, Estevam Soares e José Roberto Guimarães se reuniram para um bate-papo, no qual falaram, com exclusividade, sobre suas impressões em relação ao esporte, à vida nas competições e aos altos e baixos. O técnico do Botafogo, que neste domingo tem a missão de comandar a reação da equipe no Campeonato Brasileiro, no clássico contra o Fluminense, destacou o espírito vencedor que ronda aquela que foi a concentração alvinegra nesta semana. Espírito vencedor este que o treinador do vôlei ajudou a construir e agora busca transmitir aos novos colegas.
Com fortes raízes em Barueri, de onde Estevam Soares saiu para treinar o Botafogo, o são-paulino José Roberto Guimarães passou uma mensagem de otimismo (assista ao vídeo ao lado), depois de destacar a importância do intercâmbio que uniu diferentes realidades que têm em comum o sucesso como principal objetivo.
Como foi a convivência no mesmo local de grupos e esportes distintos?
ESTEVAM SOARES – Muito saudável. É uma felicidade para o Botafogo estar aqui neste paraíso do vôlei. A estrutura e a organização do centro de treinamento mostram por que este esporte é destaque no mundo. Tem sido bacana acompanhar os treinamentos e observar outro tipo de trabalho.
JOSÉ ROBERTO GUIMARÃES – Para nós também é importante essa comunicação. Apesar de serem esportes diferentes, nós trabalhamos com seres humanos. A integração entre futebol e vôlei é muito saudável, pois podemos trocar experiências e tirar coisas boas. Conversamos sobre passado, momento atual e futuro de Botafogo e seleção brasileira. Não pudemos assistir aos treinos deles, mas eles acompanharam nossas atividades. Também fizemos musculação juntos.
Após bate-papo, Estevam presenteia José Roberto com uma camisa do Botafogo?
ESTEVAM – Notamos a simplicidade de um esporte tão vencedor. A diferença é que o jogador de futebol é muito mimado. No vôlei também existe a carência, mas a responsabilidade é diferente. O futebol é mais paternalista, e as meninas aqui tomam conta do seu material, levam os uniformes na rouparia, enquanto existe sempre alguém para fazer isso para os atletas do futebol. A Fabi me disse ter ficado impressionada com o nosso staff. Às vezes o vôlei fica seis meses concentrado. Essa entrega serve de exemplo.
JOSÉ ROBERTO – É legal isso de um querer saber do outro: como cada um vive, qual é a realidade, os comportamentos... O intercâmbio favorece muita coisa.
Estevam, o que mais lhe chamou atenção nestes dias de refúgio no centro de treinamento do vôlei?
Estou acostumando a fazer pré-temporada em quase todos os centros de treinamento de São Paulo, mas este local é mágico. Além da estrutura, existe uma aura de vencedor. Aqui há frases e fotos que mostram isso.
JOSÉ ROBERTO – Por onde você anda tem algo que faz lembrar alguma vitória...
ESTEVAM – Isso é importante, porque você vê campeões em todos os lugares. Talvez seja o que o Botafogo esteja precisando. Pelo momento que vivemos, é bom o grupo olhar e se mirar em vitórias.
Das experiências trocadas, observaram algo que pode ser aplicado nas suas atividades?
JOSÉ ROBERTO – Vi a integração dos preparadores físicos do vôlei e do futebol, conversando sobre o que pode ser aplicado. Inclusive, tivemos num treino nosso o empréstimo de um preparador do Botafogo que foi jogador de vôlei (Marlos Almeida). O Estevam e eu falamos de relacionamentos, de pessoas, do emocional e do comportamento. Os outros profissionais falaram mais de trabalho e do que pode ser usado em cada esporte.
ESTEVAM – Numa conversa, a Fabi me perguntou se eu participava tanto dos treinos quanto o Zé Roberto. Eu disse a ela que não dá, pois não temos muito tempo para isso. Sou participativo, mas vi o Zé dentro da quadra, e, por estar com poucas atletas, até levantando bolas. No futebol não existe essa participação direta.
Depois do exemplo, vai arriscar mais chutes no campo?
Isso eu deixo para o meu auxiliar (Gérson Sodré). Meu joelho não ajuda...
Qual é a relação de Estevam Soares com o vôlei e de José Roberto Guimarães com o futebol?
ESTEVAM – Meu primo Hernani foi jogador de vôlei. Zé, sabia que eu fui campeão infantil de vôlei dos jogos colegiais de São Paulo em 1970, por Cafelândia, minha cidade? Era só defesa de manchete!
JOSÉ ROBERTO – Para mim, inicialmente vôlei não existia. Era só futebol. Na primeira vez que entrei numa quadra, o professor logo me tirou e disse: “Sai, porque seu negócio é futebol. Você passa tudo de segunda!” Assim começou minha história no vôlei. Venho de uma família de jogadores de futebol. Meu primo jogou na Ferroviária, e meu irmão jogou no Corinthians até os juniores. Futebol é uma religião para mim. Gosto de ir ao estádio e conheço os jogadores.
ESTEVAM – O vôlei é apaixonante. Impressiona a forma como cresceu, passou o basquete e hoje é o esporte número dois dos brasileiros.
JOSÉ ROBERTO – Para nós é o contrário, o futebol é nossa paixão. A gente gosta muito do que faz, mas todos nós temos um time.
Após essa convivência, dá para dizer que a seleção brasileira é também Botafogo?
JOSÉ ROBERTO – A gente que vive no esporte torce muito por pessoas. As meninas disseram que o Estevam é muito interessado. Rapidamente ele fez amizade com elas, e não tenho dúvidas de que torcerão por ele a partir de agora, apesar de terem seus clubes de coração.
ESTEVAM – O esporte é isso, você torce pelos amigos. O Zé Roberto é são-paulino, mas creio que vai torcer pelo Botafogo no domingo. E eu torcerei ainda mais pelo Brasil depois dessa nossa convivência.
No comando das seleções brasileiras masculinas e femininas, José Roberto Guimarães viveu bom e mau momento. Baseado nessas experiências, o que você diria a Estevam Soares nesta fase difícil que o Botafogo vive?
“Notamos a simplicidade de um esporte tão vencedor. A diferença é que o jogador de futebol é muito mimado"
JOSÉ ROBERTO – Vejo na adversidade uma grande oportunidade. O momento é importante, e existe a chance de mudar toda a história. Ela precisa ser aproveitada agora. O time do Botafogo é bom, e o pessoal é tranqüilo para se trabalhar, mas tem sofrido gols durante alguns apagões. Já vi isso acontecer com meus times de vôlei no masculino e no feminino. Dependem de eles mudarem tudo isso com muita concentração.
ESTEVAM – Zé lembro que você passou por um momento difícil numa Olimpíada...
JOSÉ ROBERTO – Foi a semifinal dos Jogos de 2004. Vencíamos a Rússia por 2 sets a 1, com 24 a 19 no quarto set. Aquele foi um marco nas nossas vidas. A partir de então, refizemos tudo. Os jogadores do Botafogo precisam entender a importância de estarem concentrados aqui e que muita coisa ainda pode mudar, pois faltam 15 rodadas para o fim do Brasileiro.
ESTEVAM – É o que tenho falado para eles. O grupo tem qualidade e está respondendo ao trabalho. Tenho batido na idéia de que vamos dar risadas desses momentos difíceis. Não é fácil trabalhar com sete jogos sem vitórias. Depois daquela Olimpíada, o vôlei ficou quatro anos esperando uma nova oportunidade. É preciso acreditar.
Estevam, este é um assunto a ser abordado diariamente com os jogadores?
Tenho falado com eles sempre, a cada treinamento. É homeopático. São jovens... Aliás, fiquei impressionado ao ver a Natália treinar aqui outro dia. Ela está caminhando para ser a melhor do mundo, Zé...
JOSÉ ROBERTO – Falo que ela tem talento e só depende dela. A gente pode indicar o caminho e trabalhar, mas o que existe dentro dela é o que fará com que seja melhor ou pior.
ESTEVAM – É preciso conversar sempre. Achei que fosse mais ao futebol, mas o Zé disse que no vôlei também existe o deslumbre. Aí chega o momento de a gente acalmar, porque são seres humanos.
Vocês se aproximaram nos últimos dias e mostrou torcida mútua, mas José Roberto acompanhava Estevam Soares a algum tempo, desde quando o técnico do Botafogo ainda era jogador do São Paulo, em 1977...
JOSÉ ROBERTO – Recentemente eu torci por ele quando fui ver um jogo entre Barueri e Palmeiras, mas ainda não havia tido a possibilidade de sentar e conversar com o Estevam, como agora.
ESTEVAM – Quando ficou acertado que o Botafogo vinha para Saquarema, esperei o momento de conhecer o Zé pessoalmente. É uma troca importante.
JOSÉ ROBERTO – É importante aproveitar o momento e assimilar o que os outros têm a dar. O Estevam tem paciência e é um cara inteligente acima da média. Foi muito legal ver como é sereno e tranqüilo na maneira de pensar. Se o Botafogo conseguir assimilar essa dedicação, tem tudo para dar certo. Fiquei bravo quando você saiu do Barueri (risos)!
ESTEVAM – Uma vez, um técnico amigo meu disse que precisamos estar próximos das pessoas do bem, e o Zé Roberto é esse cara. O semblante dele passa essa coisa boa.
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